quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Crônica de vô

   Olá! Tudo bom?

Hoje peço licença e permissão para publicar um texto que não é de minha autoria  e nem tampouco de autoria da Nat Magal, mas sim, escrito por meu querido avô Carlos Alberto Sirydakis, carinhosamente chamado por nós (Dupla Lau) de Esnal! A crônica foi escrita por meu avô agora em 2013, quando ele está com 73 anos e foi publicada no livro " História do Fisco Catarinense-Construindo uma Santa Catarina Melhor", do jornalista Moacir Pereira. A seguir,lhes deixo com as sábias palavras do "jovem" senhor Carlos Alberto:
Uma Alma Boa

     Sou descendente de grego. O meu avô fugiu da Grécia quando houve uma guerra, no final do século 19, veio para cá e, junto com os outros, fundou a colônia grega em Santa Catarina. Meu pai falou que o pai dele e uns amigos vieram remando. Eram 11 gregos em um veleiro. Quando não tinha vento, era no braço mesmo. Aí pararam em Santo Antônio de Lisboa, na Ilha de Santa Catarina. Uma moça foi lá e deu água para o velho - que na época não era velho, era bem moço. Resultado: casaram e tiveram 11 filhos. Depois mudaram para o bairro José Mendes, numa casa que até hoje existe. 
  Minha mãe é de origem italiana: Lunardelli. A turma brinca: "Então tu tens sangue azul?". Eu digo: "Devo ter, porque grego com italiano...". Estou com 72 anos e tenho três filhos - dois rapazes e uma moça. Desses dois rapazes casados, tenho cinco netos - quatro mulheres e um homem. A vida inteira pratiquei esportes. A gente, quando é guri, tem dois prazeres na vida: jogar bola ou então soltar pandorga. A mãe era rígida: só podia brincar quando acabasse os deveres. Tal hora, em casa. Se não estivesse tal hora,ela dizia que ia fechar a porta. Ela abriria, né?, mãe é mãe. Ela era professora do grupo escolar e meu pai trabalhava no Departamento de Saúde Pública. Mas a educação que eu recebi deles valeu muito.
  Tenho um irmão mais velho. Ele também se formou em Direito, como eu. E foi para o exército. Depois fez um concurso e passou para promotor. Agora está com 74 anos, aposentado como Procurador de Justiça. Sou do concurso de 1963. Antes eu trabalhei muitos anos como secretário da Associação Comercial de Florianópolis. Trabalhei sempre em Florianópolis, mas prestava serviços em Tijucas, São João Batista, Canelinha e Nova Trento. Nós saíamos em nossos carros para fiscalizar. Ou então de jipe chapa branca, mas era muito chamativo e os sonegadores se mandavam. 
  Eu fazia muito assim: saía às seis horas da manhã de casa e ia fazer primeiro a cidade mais distante, depois pegava os livros, botava no carro e vinha voltando. Quando chegava em casa, o porta-malas estava cheio de documentos. Eu amarrava tudo com uma fita e usava aqueles lápis com uma ponta vermelha e outra azul. Quando desconfiava que tinha sonegação, marcava o lápis vermelho. Azul era quando tinha dúvida. Verificava tudo, claro, mas começava pelos vermelhos. O problema era a estrada nessa época.Só podia ir de jipe. Eu ia de carro porque era metido a besta, era mais conforto. Com chuva, só se ia até onde o calçamento permitia. Em dias de chuva, tinha de ir alguém com um trator buscar. 
  Uma vez eu fui a Nova Trento fiscalizar a firma de um italiano que tinha fama de botar os fiscais para correr com uma garrucha. Eu era um guri, tinha 23 anos, e não sabia disso. Cheguei lá e me identifiquei. Na hora em que mostrei os documentos da intimação, o camarada os jogou em cima do balcão e caíram no chão. Juntei os papéis, dobrei e disse:
 - Meu amigo, eu estou te intimando porque sou funcionário do Estado. Nós precisamos aumentar a arrecadação para fazer estrada pra vocês aqui do interior. Isso aqui tá uma m., quando chove não passa ninguém, só carro de boi. E depois, tem um detalhe: eu pago pra não entrar em briga, mas depois pago duas vezes pra não sair! 
 O cara começou a baixar a bola e ficar vermelho. Aí eu prossegui:
 - E outra coisa: eu estou aqui como autoridade da Fazenda do Estado. Se eu quiser, ligo agora para o delegado e você vai em cana por desrespeito à autoridade. 
  Aí foi lá para dentro e chamou a mulher, que disse: - Pois não, senhor? 
  Expliquei a situação. A mulher só faltou chorar pra eu não fazer aquilo que tinha dito. Perguntei qual era o contador da firma e ela disse que era de Tijucas. Ela ofereceu para mandar um menino de bicicleta lá. Eu disse que não precisava. Deixei a orientação sobre os livros que eu queria e disse que, quando chegasse em Florianópolis, ia dizer à secretária que os documentos seriam encaminhados pelo senhor fulano de tal. A mulher pediu desculpas, chorou e me disse:
 - O senhor parece ser uma alma boa.
  Respondi:
 - Eu quero que a senhora diga isso é no dia em que eu morrer, quando o Homem me levar lá para cima, porque o inferno tá cheio de fiscal da Fazenda.
 Aí ela riu. E vim embora. 
  
 
Seu Siry,como é carinhosamente chamado Carlos Alberto e Dona Dalva, sua esposa e, por sua vez, minha avó! 
Assim que terminei de ler o texto de meu avô pela primeira vez, fiquei extremamente feliz em ver que, mesmo aos 73 anos, continua lúcido e muito, mas muito inteligente! Fiquei contente em ver que o texto estava super bem escrito, as ideias concatenadas e com uma sequencia lógica muito boa. Simples, sem termos formais e acadêmicos, mas com uma linguagem "da ilha" impressionante e muito agradável de ler! Viajei no tempo com as histórias de meu querido avô, imaginando o tempo em que se soltava pandorga, brincava de correr na rua, viajava pelas estradas de chão de nosso Estado... 

  Recomendo à vocês a leitura do livro das memórias do fisco catarinense, pois apresenta outros causos interessantes de colegas/amigos de profissão de meu avô. Vale a pena conferir!
 Beijo grande, 
Maria Siry :)  

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